Numa semana em que a Google lançou o seu Art Project, onde podemos visitar vários dos mais famosos museus e galerias do planeta, entre os quais o MoMA, a galeria Uffizi, e o Tate, e contemplar um número já considerável de obras de arte, com um pormenor assustadoramente preciso (em alguns Van Gogh conseguimos inclusivamente apreciar as pinceladas e observar mesmo as fendas que o tempo já impôs sobre as telas), e estamos no rescaldo do que eu considero ser um dos espectáculos do ano (e note-se que estamos ainda no inicio): 2001 Odisseia no Espaço, na Casa da Música, onde foi possível ver uma projecção do clássico de Stanley Kubrick, com a banda sonora tocada ao vivo pela Orquestra Sinfónica do Porto ( de arrepiar!), decidi no entanto colocar o foco principal sobre os Deolinda.


Porquê?

Como provavelmente tomaram conhecimento, neste passado mês de Janeiro, os Deolinda apresentaram-se ao vivo nos já históricos Coliseus do Porto e de Lisboa. Como já tem vindo a ser normal nos concertos desta banda, os bilhetes esgotam com uma rapidez que deixa pouca margem de manobra para os mais desatentos (que foi o meu caso!). O que é muito bom, porque afinal estamos a falar de musica portuguesa!

Até aqui nada de anormal então: alguns concertos de uma banda que pessoalmente aprecio imenso, onde a leveza das guitarras e do contrabaixo andam de mão dada com a força da voz de Ana Bacalhau, culminando em letras que têm tanto de simples como profundas.

Nos já referidos concertos os Deolinda estrearam uma nova música: Parva que Sou.
Poderia perfeitamente tratar-se somente de mais uma música de uma banda que já nos habitou a grandes musicas. No entanto não é.

É a definição de uma geração, o titulo e o corpo de uma situação, a voz de um povo calado por opção.

"Sou da geração sem-remuneração
e nem me incomoda esta condição...
Que parva que eu sou..."

Num pais e num mundo onde é cada vez mais difícil arranjar emprego, e onde um canudo já não é sinonimo de emprego nem de estabilidade, especialmente nalgumas áreas, esta letra define com uma simplicidade arrepiante e uma perfeição injusta a geração dos recibos verdes, dos estágios não remunerados e do licenciado caixa de supermercado.

Na pratica, a letra não diz nada de novo, mas resume, enumera e diz sem pudor o que se passa e o que vai na mente de muitos jovens que vêm se frustrados com uma realidade, onde a certeza da geração rasca já não existe: que certamente viverá melhor que as gerações anteriores.

"e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar..."

Num momento, onde os tumultos internacionais fazem os headlines, e a situação económica, financeira e social é o peso que a geração carrega, esta letra é sem duvida pertinente e acima de todo um acordar, um despertar de um espírito talvez demasiado apático.

Temos então a nossa definição: depois da rasca, a Geração Parva. De certo muitos, quando estudaram a historia do século XX, ponderam como seria viver nos tempos da grande Depressão, e as dificuldades que pessoas passaram. Eu pessoalmente já fiz esse exercício, sem conseguir obter qualquer resposta. Tremo de pensar que no futuro, as novas gerações olhem para estes anos como a mesma perspectiva. E continuo sem conseguir dar uma resposta...

"Sou da geração vou-queixar-me-pra-quê?
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou..."

A música, e a análise da letra desta musica dos Deolinda tem já um efeito viral nas redes sociais, e deu já origem a um sem número de artigos de opinião, onde a geração Parva é o tema central.

"Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou..."

É de louvar quando algo consegue transcender o reino do cultural e consegue tocar tão intimamente no espírito de uma pessoa, de um pais, enfim de uma geração! E aproveite-se e louvemos quem tenta contrariar este sentimento, e trabalha para melhor a situação porque:

"Sou da geração eu-já-não-posso-mais-Que-esta-situação-d­ura-há-tempo-de-mais!
e parva eu não sou!!!"

Fica aqui o video da musica ao vivo no Coliseu do Porto. Ouçam e reflictam.





[Pedro Leite]

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